terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Nem senhor da própria história

Enquanto o sol morria por entre as frestas da madeira velha da porta e a garotinha por trás do balcão parecia velá-lo, entrou um rapaz sisudo e de calças rasgadas à altura dos joelhos. Estava com o chapéu nas mãos, os óculos na camisa e os olhos no chão, parecia que nada nele pertencia ao devido lugar e que o mesmo não pertencia a lugar algum. Deixou escorregar a mochila até que chegasse ao assoalho e indagou: a senhorita teria algum jornal?
- Oi?
- Um jornal, não precisa ser recente, de qualquer data serve.
- Jornal?
- Isso mesmo. Ou alguma revista.
- Ora essa! E o que é que o moço vai fazê com um jornal?! Ocê não me parece doutô, vestido assim...
- Veja bem, você pode me trazer um copo d'água. Depois veja algo para eu comer, algum quarto e uma toalha. Mas primeiro, eu gostaria que me trouxesse apenas um jornal.
- Óh, jornal num tem, nem novo, nem véio... Mas se o sinhô quisé a água tá'qui e a comida alguém já te traz qu'eu já vou ajeitar um quarto.
O rapaz pegou o copo e bebeu o líquido sem gosto a contragosto. A garota subia as escadas que rangiam a cada degrau sem se conformar com tamanha burrice, afinal...
- O que que um homem nesse estado pode querer com um jornal que nem precisa ser do dia? Primeiro achei que era moço de pouca idade, mas com aquela cara fechada e essa mania de me apurrinhá por causa de um jornal, bom é tratá como sinhô...
- Ê, minina! Já disse pra pará com isso de ficá bisbilhotanu a vida dos cliente!
- Ar, Dona Tereza, nunca vi isso, homi esquisito!
- O que é que tem? É moço novo, eu vi nos olho dele, mas nada de si'ngraçá!
A senhora desceu para levar sustento ao sujeito que causava rebuliços na cabeça da afilhada. Ele comeu afoito, agradeceu e foi logo dizendo:
- A senhora desculpe o mau jeito, mas preciso de um banho e uma cama.
Assim, foi subindo as escadas apoiando-se nas paredes porque já não havia força nas pernas. Quando enfim alcançou o quarto, notou que a garota curiosa saíra com demasiada pressa ao notar que se aproximava.
- Espere aí! Você... Vocês não teriam um rádio aqui?
Ela deu de ombros e murmurou alguma coisa enquanto saía.
Ele apoiou-se na cama com extremo cuidado a fim de assentar e disse sem saber se sua ouvinte estava ali para ouvir:
- É que às vezes menina, a gente passa tanto tempo correndo atrás do nosso destino que nem se dá conta do que aconteceu no caminho. E passa a procurar um jeito de saber o que foi quando a gente não foi. Posso lhe dizer que há tempo tenho andado por aí, correndo atrás de nem sei o quê, e não sou moço, nunca fui. Não fui o mocinho da estória, nem nunca serei o "sinhô" dela...

6 comentários:

Graci disse...

#tomanocu!

Luana Motti disse...

Você é tão expressiva, FLOR!

Guilherme D. Morais disse...

acho q dos txts que eu li...
esse foi o q mais gostei...
mto bom msmo...nao fazia ideia q vc tinha esse talento...
bj

Angelo Machado disse...

Me enche de orgulho essa menina de virgulas sensuais!!!..

Leonardo Martins disse...

interessante luanita, belo texto.

É a primeira vez que vejo alguém falar que vai passar o reveillon de Salmão haha

beijos

Luana Motti disse...

Guilherme: obrigada, tricolor! Fico feliz de verdade. Seja bem-vindo por aqui.

Angelo: concede-me um acento bem charmoso? =)

Léo: pois é, Léozinho. Vamos inovar! =D